domingo, 4 de junho de 2017

Reinventar






A gente se reinventa toda vez que lê as entrelinhas do acaso...

Toda vez que encontramos alguém do passado, que revisitamos memórias, que desvendamos mistérios dentro de nós mesmos.
 
Nos recriamos quando percebemos que não buscamos mais restos em outro alguém, ou quando olhamos para dentro e só isso basta. Quando reconhecemos que cada situação vivida intensamente é um pontinho dentro de um emaranhado de dúvidas que desvendamos todos os dias.

Transformamos nossos passos, escolhas e palavras, cada instante que conseguimos seguir de olhos abertos para o futuro. Toda vez que nosso antes deixa de fazer sentido e em cada minuto que perdemos o medo de altura. Que damos lugar aos sonhos que eram distantes, aquelas vontades que de tão repentinas, nos atravessam e nos movem.

Optamos por ser uma nova versão de nós mesmos quando decidimos que o que tira nosso ar é melhor do que o caminho mais seguro. Enfrentamos nossos pedaços tortos e encaramos o espelho que muitas vezes está em cacos. Afinal, deixar de ser também é uma forma nova de existir.

E assim, despedaçamos cada milímetro de dores antigas, compomos novas canções pra novas paisagens, escrevemos poemas que agora revelam o não dizer de tudo que sentimos no hoje.

E a grandeza de poder ser mais todos os dias é o que movimenta uma alma buscando extravasar aquilo que nem sempre o corpo pede. É lá no fundo do coração, entre a angústia e o descobrimento, entre o clichê e o improvável, que mora um reflexo daquilo que realmente o nosso orgulho nos impede de mostrar. Que mora o verdadeiro nós.

Refletir sobre a intensidade do viver nada mais é do que o encontro de nossos desejos com nossa profundidade. É o peso e a leveza de ser tantas pessoas dentro de apenas uma. 

É a vontade de mergulhar num mar de nós mesmos, e assim como as ondas, deixar um pouco pra trás toda vez que tocamos a superfície.





domingo, 23 de abril de 2017

Fuga



Você disse que foge porque não tem pra onde ir.

Permanece dias calado e esquece que o silêncio também é uma forma de resposta. Que o não dizer, diz tanto, diz muito. Diz tudo.

Diz que foge porque não tem espaço em mim.

Mas, esquece que eu já quis ser abrigo e já ofereci morada nos dias de chuva. Tentei mostrar que também era capaz de receber seus medos, mas você seguiu fechando meus olhos pro que não era bonito dentro de você.

Me diz que não sabe o lugar que ocupa na minha vida, mas não deixa eu te mostrar que sempre há um pouco de amor restante. Que no meu coração, pedaços de nós ainda ecoam. Alto e em bom som. Você optou por desligar nosso som. Por desistir das minhas melodias mais sinceras.

E talvez, eu seja injusta. Seja errada. Seja menos que você. Talvez, na realidade, eu tenha tropeçado em nossos nós tão desgastados pelo tempo, pelas meias verdades, e errado nas doses de sinceridade.

Só que dessa vez, meus receios tinham se transformado em possíveis respostas. Lá no fim dos trilhos, havia luz. E foi você que abriu as cortinas. Por que então as fechou tão repentinamente? Hoje, em mim há escuridão. Na sua fuga, quem sabe você consiga enxergar mais do que eu sou capaz. 

E o "depois", que sempre foi tão menos que nós, sempre tão refém dos meus questionamentos e das suas certezas, agora não encontram um lugar, nem em mim e muito menos em você. E assim, tua fuga nada mais é que tua resposta, que uma escolha que você tomou sozinho. 

E eu fico imaginando em que momento essa escolha em silêncio foi tomada. Só que no fim, não faz diferença. Ela é tudo que você conseguiu me dizer, mesmo não completando uma sequer frase. A fuga, então, é tudo que ficou.

Eu também parti.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Gravidade



Gravidade é o que mantém nossos pés fixos no chão. Aquilo que faz nosso corpo percorrer caminhos nem sempre claros, sabendo que sempre há a chance voltar. 

A gravidade cria essas raízes na gente pra que possamos nos permitir ir à loucura, às vezes, quando nada aqui parece suficiente. Pra que a gente saía do nosso rotineiro, tropece, se desmanche, mas saiba que o seguro ainda está ali, esperando nosso retorno.

É livre de julgamentos e não desiste quando partimos de última hora. Deixa a gente cometer esses deslizes, rodopios e anseios, mas sempre nos puxa de volta. A gravidade acredita na gente. Perdoa como ninguém e tem a calma como dom.

Gravidade é escrever tantas linhas sem sentido e saber que a caneta ainda estará aqui amanhã. Gravidade é poder mudar de ideia, reescrever, deixar de ser, só pra no final ser de novo. É revisitar passados, mas ter em mente novos futuros.

Também é ponto de equilíbrio. É tropeçar mas acertar o passo em seguida sem cair. É leveza. É sentir o vento no rosto e respirar fundo. Gravidade é fechar os olhos e enxergar o impossível.
 
Gravidade é sentir nossos pés no asfalto, na grama, na areia e no escuro. É permitir o desencontro, o incomum, o infinito.

É o que nos segura em quem a gente acredita e quer ser. É o que faz nosso coração bater mais forte, é o nó na garganta. É encontrar percursos que só são certos pra nós mesmos. Gravidade não é estar fora de si, é encontrar em si tudo que está fora e transformar.

Gravidade é estar, nunca deixando de ser todas essas nossas versões. É encontrar em si, não o peso do mundo, mas o que faz nosso mundo continuar aqui.